Vol. 11 No 1 (2020): Dossiê Marx e Tocqueville

A revista Inquietude, ainda nas comemorações de seus dez anos de publicações ininterruptas, traz aos leitores uma edição especial. Nesta edição, que é ímpar não apenas pelo seu conteúdo, mas também pelo inquietante momento histórico no qual vivemos, temos a grande satisfação de apresentar um dossiê dedicado ao pensamento de Alexis de Tocqueville e Karl Marx. Existem relações possíveis, aparentes ou potenciais, no confronto entre as ideais destes dois pensadores? Os autores dos artigos que integram este dossiê nos brindam com suas reflexões diante deste e de outros questionamentos.
No artigo Das comunas e comunidade ao espírito de liberdade: Entre Alexis de Tocqueville e Karl Marx, André Rezende Soares Correia reflete sobre o vínculo entre a aproximação das vivências no espaço público e seus reflexos na constituição da liberdade. Sob o cuidado de realçar, de um lado, as diferenças entre uma posição que questiona a necessidade do Estado e da propriedade privada por parte de Marx e, de outro lado, uma perspectiva de democracia mais alinhada em conformidade com uma certa estrutura administrativa em Tocqueville, Correia é assertivo em pontuar o que pode unir o pensamento destes dois autores clássicos do pensamento político: o espírito de solidariedade e comunhão, bem como seu reflexo já indicado no título do próprio artigo em questão – o espírito de liberdade.
O clichê acerca da necessidade de compreendermos o passado com vistas a entendermos melhor nosso presente e, também assim, vislumbrar futuros possíveis é uma realidade cada vez mais palpável. Fugindo do lugar-comum e nos proporcionando uma instigante reflexão sobre o papel da imprensa em uma sociedade democrática é o que Brenner Brunetto Oliveira Silveira nos apresenta em seu texto d'Os desafios no século XXI acerca da relação entre liberdade de imprensa e democracia segundo Tocqueville e Marx. De acordo com o autor a liberdade de imprensa é mais que uma condição imprescindível das sociedades democráticas, e por isso, seu contrário, a censura, é um abuso. Apesar de nossa generalização, Silveira reflete, também, sobre os limites e os meios pelos quais a imprensa deve trafegar. Sem dúvidas, uma reflexão importante encaminhada nas trilhas de Tocqueville e Marx.
Ainda tendo como pano de fundo a questão democrática, nosso próximo autor visa sua relação, em termos gerais, com o mundo do trabalho. Em Da democracia à cabeça do alfinete – a nova aristocracia manufatureira e a alienação do trabalhador: Um ponto de encontro de Marx e Tocqueville, o autor Carlos Stuart Coronel Palma Junior resgata a reflexão sobre o papel constituinte do trabalho sobre a condição humana. Neste sentido, a argumentação do autor é mostrar que tanto para Tocqueville quanto para Marx, o trabalho é uma função essencial da vida humana, que de alguma forma contribui com o próprio seu próprio sentido. Por isso, o debate realizado ao longo do texto busca mostrar, para além de uma compreensão genérica do pensamento de Tocqueville e Marx sobre o trabalho, em que medida as transformações do mundo trabalho, tão aceleradas a partir do século XIX, ecoam até a atualidade.
Por fim, Renato César Rodrigues nos oferece Confluências e divergências no conceito e divisão do trabalho em Marx e Tocqueville. No artigo, o autor aprofunda a discussão iniciada anteriormente por Carlos Stuart Coronel Palma Junior, acerca da relação homem-trabalho e como Marx e Tocqueville a interpretavam. Embora os temas discutidos se assemelhem, vale notar que a originalidade de Rodrigues está em enfatizar não apenas os pontos equidistantes dos quais os pensadores analisados discutiram seus temas, mas também da impressão contemporânea que podemos utilizar para refletir sobre a relação entre trabalhadores e capitalistas.
Esperamos que tenham todos uma ótima leitura deste dossiê, bem como de nossa seção fluxo contínuo que conta com artigos diversificados em seus temas. A imagem de capa dessa edição é a pintura Eruption of vesuvius de Joseph Mallord William Turner (1755 – 1851), da qual não podemos deixar escapar uma importante analogia com a temática geral de nosso dossiê e de nossos tempos: a democracia está adormecida como o atual Vesúvio ou em uma erupção iminente?
Atenciosamente,
A Equipe Editorial da Inquietude.
Anderson Carvalho dos Santos
João Pedro Andrade de Campos